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No mesmo espaço, mas tão distantes: os indígenas entre nós

Por Juliana Andretta

Quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha? Todos nós já ouvimos esta pergunta. Às vezes nos interrogam sobre questões que não sabemos responder. Origens, herança, futuro, por vezes, temos dificuldade em conhecer. Na verdade, não temos o hábito de questionarmos os porquês, os comos, os quens. Por que o céu é azul? Como são feitos os sapatos? Quem inventou o automóvel? São algumas perguntas que já fizemos sobre coisas do nosso dia a dia. Mas, já nos perguntamos sobre nossas origens? Quem nos antecedeu? De onde vêm nossos costumes? Muitas de nossas heranças vêm dos indígenas.

Laisa Arlete Sales Ribeiro é mestranda em Antropologia na UFPel, em Pelotas, mas mora em Tenente Portela. Laisa é kaingang. Se perguntar para ela qual sua ligação com a cultura indígena, ela responde com firmeza: “sendo kaingang, você já é pura cultura”. Com mais firmeza ainda ela defende sua cultura: trabalha com palestras e eventos nos quais busca tratar a realidade dos indígenas como ela é, sem aquele romantismo literário que percorre a história tratando o indígena como o indivíduo que vive na mata, pescando, caçando, pelado. O pensamento de muitos ainda é esse. A realidade é que mudou: o indígena, que antes tinha para si um enorme território para viver, hoje sobrevive em pequenas áreas delimitadas.

 

 

O uso e o cultivo de alimentos como o milho, o feijão e a mandioca é herança dos indígenas. O ato de tomar banho diariamente herdamos dos indígenas. Conhecem as lendas do Curupira e do Boitatá? É herança indígena. Até mesmo muitas das cidades que conhecemos ou nas quais vivemos têm em seu nome a herança indígena. Tuparendi, Humaitá, Miraguaí, Nonoai, Caiçara, Aratiba, Erebango, são só algumas do Rio Grande do Sul, entre tantas no Brasil com denominação indígena. A presença dos índios foi muito marcante no território brasileiro. Segundo a Fundação Nacional do Índio, no período da chegada dos europeus no território hoje brasileiro havia, aproximadamente, 5 milhões de indígenas, que viviam em tribos. Hoje, este número se apresenta reduzido: de acordo com o Censo Demográfico realizado em 2010 pelo IBGE, há, no Brasil, 896,9 mil indígenas, sendo que a maioria se concentra no norte do país. Apesar da significativa diminuição, o Brasil é um dos países com a maior diversidade linguística: segundo o mesmo censo de 2010, são 305 etnias indígenas, que falam 274 línguas. Este número já foi maior, porém, muitas etnias foram dizimadas.

 

No Rio Grande do Sul não foi diferente. Os nativos que habitavam o território hoje pertencente ao estado gaúcho eram caçadores nômades, que viviam em constante busca por alimentos. Estes caçadores perderam seu espaço para os indígenas que, procurando uma terra sem males, segundo a crença guarani, desceram pelos rios da Amazônia e alcançaram o Rio Uruguai, chegando ao território gaúcho. Em seu blog “Historiando”, o professor de história Fabrício Colombo resgata nossa cultura ao contar que, quando os europeus chegaram neste território, ele era habitado por três grupos indígenas: os Guarani, os Kaingang, pertencentes ao grupo Jê, e os Pampeanos, grupo formado pelos Charruas e pelos Minuanos.

Os Guarani ocupavam áreas que possuíam rios e lagos, onde a caça e a pesca eram abundantes, preferencialmente o litoral. Os Kaingang do grupo Jê ocupavam o planalto rio-grandense, onde viviam da caça, da pesca e da coleta de frutos e raízes. Os Pampeanos eram o povo menos numeroso. Viviam nos campos e em áreas que facilitavam a pesca e a caça. Não praticavam a agricultura, diferente dos Guarani e dos Jê. Os pampeanos foram totalmente dizimados ainda no século XIX.

Hoje, a presença dos Guarani e dos Kaingang é muito pequena na sociedade, comparada com o passado. Porém, a herança cultural indígena introduzida na sociedade é marcante, inclusive no nome das cidades.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Muitos não sabem que o município onde moram tem nome indígena. Laisa, com convicção, defende que, mesmo estas cidades tendo nome indígena, o espaço para o diálogo com esta cultura não é aberto. Não há espaço, não há tempo, não há oportunidade para os indígenas. Dar nome indígena a uma cidade não lhe parece que foi com o intuito de homenageá-los ou agradecê-los. Apenas foi, e pronto.

 

Na região Noroeste do Rio Grande do Sul são aproximadamente 33 cidades que possuem nome de representantes indígenas, como caciques, ou nomes que simbolizam características territoriais e culturais no vocabulário indígena.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Apesar disso, apenas em nove delas há terras indígenas já declaradas, delimitadas ou regularizadas: Erebango, Nonoai, Sananduva, Cacique Doble, Guarani das Missões, Charrua, Ibiraiaras, Salto do Jacuí e Iraí. Para Laisa há uma explicação clara que justifica esta controvérsia: a sociedade não aceita o diferente. A sociedade não quer que o indígena circule livremente em seu meio. O que há de mais espaçoso para o indígena é o preconceito. A ideia de superioridade do homem branco perante o indígena ainda é muito presente. Se há alguma relação entre os dois, é por obrigação, já que o homem branco possui políticas públicas de atendimento a essa cultura. Há leis que precisam ser cumpridas, mas nem sempre são de bom grado. E tudo que é feito sem vontade, é mal feito. É por isso que os indígenas ainda não ocupam o espaço que é seu por direito.

 

Poderia ser diferente. Deveria. A primeira atitude a ser tomada é criar oportunidades de diálogo, de bom grado, com os indígenas. Falar com eles, e não falar por eles. A sociedade ainda sofre de falta de compreensão com este povo. Falta o entendimento de que os indígenas também são parte da nossa sociedade, e que, por isso, não se pode criar um pensamento de superioridade perante eles, nem sobre qualquer outra cultura. Não se pode pensar que a cultura ocidental presta favores aos indígenas. É preciso incluí-los na sociedade, pois, afinal, a herança indígena está presente em todos nós.

Relação dos municípios da Mesorregião Noroeste do RS com nome indígena. Créditos: Juliana Andretta

Aldeia indígena Tekoá Pyau, do Distrito da Buriti, em Santo Ângelo. Foto: Giuli Ana Izolan

Localização dos municípios da Mesorregião Noroeste do RS com nome indígena.

Créditos: Natan Torzeschi

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