Jovens: o que há entre nós
Por Giuli Ana Izolan
Jovens indígenas na aldeia Tekoá Pyau, em Santo Ângelo. Foto: Lara Santos
Conhecer novas culturas e costumes nos mostra que nem sempre o que imaginamos ou estamos acostumados a ver pode ser realidade. Para o projeto Entre Nós, paramos para pensar diferente e conhecer esse povo que lutou e luta por seu espaço. A aldeia Tekoá Pyau, de denominação Guarani Mbyá, localizada no distrito da Buriti, interior de Santo Ângelo, possui aproximadamente 40 crianças, jovens e adultos, que lá estudam, plantam, produzem artesanato e vivem de sua cultura. Ao chegar na aldeia, fomos recepcionados pelas crianças, jovens e o Cacique Anildo Romeu, para minha surpresa, um jovem muito sábio.
Segundo dados do Censo Demográfico 2010, realizada pelo IBGE, a população indígena residente nas terras é predominantemente jovem. Em 93,6% das terras a concentração de pessoas com até 24 anos de idade está acima de 50%. Os resultados também confirmam que o indígena residente no Brasil detém nível educacional mais baixo que aquele da população não indígena. Existe, porém, um aumento significativo, de 24,7%, nas taxas de alfabetização no período de 1991 a 2000. Quanto ao período 2000 a 2010, observa-se um crescimento de 3,8%, semelhante ao da população não indígena.
Não sei se por causa dos filmes, histórias e novelas que assistimos, sempre acreditei que as aldeias possuíssem uma hierarquia, o mais velho sempre seria o mais sábio e por isso ocuparia o cargo mais alto. Dentro das organizações indígenas não existem classes socias, as tarefas são divididas entre todos, a coletividade é uma característica marcante. Nas aldeias guaranis, o pajé e o cacique são figuras importantes na organização. O pajé é o sacerdote da aldeia, pois conhece todos os rituais e recebe as mensagens dos deuses. Ele também é o curandeiro, pois conhece todos os chás e ervas para curar doenças. O cacique, também importante na vida tribal, faz o papel de chefe, pois organiza e orienta a vida coletiva.
O Cacique Anildo Romeu é jovem e possui a responsabilidade de orientar e organizar o lugar onde ele vive. Os jovens nas aldeias também são lideranças e capazes de mudarem o meio em que vivem. Em 2007, durante o II Encontro Nacional dos Povos das Florestas, um grupo de adolescentes indígenas já estava preocupado em identificar os problemas e desafios de suas comunidades, e assim propor possíveis soluções. Ao tomar partido dos problemas do lugar onde vive, o jovem se torna protagonista nas decisões que lhes dizem respeito e possibilita a continuação de suas tradições e culturas.
Para conhecer outras realidades e a cultura desses povos e, principalmente, dos jovens indígenas, não poderia ficar apenas na cultura Guarani. O jovem Kaingang, gestor ambiental de graduação e mestrando em antropologia social na UFRGS, Douglas Jacinto da Rosa, afirma que sua realidade e dos outros Kaingang é diferente da vivida por seus pais. Eles foram submetidos a situações de escravidão, momento histórico que fez com que a juventude mudasse, assim como suas tarefas. Hoje o jovem Kaingang tem o poder de continuar a luta. "O ensino público de modo geral tem suas defasagens, e dentro das terras indígenas onde os jovens estudam também não é diferente, se não fossem as políticas públicas, poucos dos mais de 40 mil indígenas atualmente no ensino superior, teriam conseguido acessar tal condição, e esses jovens hoje são a possibilidade de novas relações de seus coletivos, com a sociedade e com o Estado brasileiro", avalia.
A educação e o acesso à universidade modificam relações, abrem possibilidades e ampliam os horizontes. Na aldeia quando alguém sai para estudar, isso significa que será uma pessoa potencialmente digna de ser uma liderança, mas tudo depende da forma como esse jovem irá se construir nesse processo. "Um título universitário não te dará o respeito dos mais velhos que leem o mundo de forma que um diploma é apenas um dos elementos", afirma Douglas. Essa abordagem deve considerar que possuímos diversos contextos indígenas territoriais, socioambientais, socioeconômicos e socioculturais, nos quais esses jovens e seus coletivos são submetidos, tendo diferentes resultados.
O movimento social indígena nacional e as lideranças confiam na importância do jovem e em seu significado de continuidade de luta. Seu valor, portanto, transcende a noção de aldeia, ganhando uma dimensão no plano das diferentes pautas indígenas no Brasil.
O jovem, quando começa os seus entendimentos da vida, de forma que consegue ler os desafios que são colocados dentro e fora das terras indígenas, tende a se aproximar das lideranças mais velhas. Assim, Douglas reflete que a questão do protagonismo se dá de forma multifacetada, e conectada, como a experiência se estabelece de forma central em diferentes povos indígenas no mundo.
Nas aldeias, os jovens auxiliam as lideranças de forma mais coletiva, e nas diferentes tarefas domésticas, junto de seus pais; alguns buscam lenha, materiais para a confecção do artesanato, vendem sua força de trabalho, pescam, caçam, e é claro estudam. Podemos dizer, que assim como nas aldeias, famílias não indígenas também vivem em coletividade: os filhos ajudam nas tarefas de casa, talvez não busquem lenha e nem pesquem como os indígenas, mas lavam louça, limpam a casa, vão ao mercado e fazem almoço. Douglas chama atenção para a diversidade de povos e contextos, que nos coloca a responsabilidade de não cairmos no reducionismo que o termo índio nos induz.
Falamos dos jovens indígenas que procuram seu espaço dentro de seu povo, que encontram problemas, enfrentam desafios e desempenham tarefas. Ao falarmos desses jovens, que possuem uma cultura diferente em relação à juventude não indígena, notamos que nossos pensamentos, angústias e sonhos podem ser os mesmos. Os jovens indígenas enfrentam desafios similares como muitos jovens não indígenas nas periferias no Brasil que hoje vivem na exclusão de oportunidades e dignidade em um país racista e preconceituoso e que nega suas identidades.