O casamento kaingang
A cultura que se propaga por meio
da união kaingang
Lara Cristina dos Santos
Na foto observamos as pinturas corporais simbolizadas pelas divisões kaingangs entre Kamé e Kayru. As listras representam a metade Kamé, e os círculos representam a divisão Kairu.
Foto: Divulgação da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, veiculado do site Nonada
Sempre quando se fala em cultura e modos de vida surgem muitas dúvidas. Mas, primeiramente, o que é cultura? Para o antropólogo Cliford Geertz, a cultura nada mais é do que uma forma de pensar, sentir e acreditar, é o legado de um povo caracterizando o seu modo de vida e comportamento.
Toda e qualquer etnia possui as suas características e particularidades. Diante da sociedade somos todos iguais, mas existe em cada etnia modos de vida e hábitos que nos distinguem.
Nos termos de Geerz, a cultura é uma teia de significados tecida pelo homem, orientando a existência humana. Por isso compreender o homem é compreender essa teia humana.
Infelizmente, nessa teia observamos, pela falta de conhecimento cultural diante de etnias, o preconceito se fazendo presente em vários momentos. O que poucos sabem é muitas culturas passam por mudanças, porém muitas particularidades do seu modo de vida ainda permanecem.
E falando em cultura, particularidades e características, conversei com o professor de história da cidade de Salto do Jacuí, Luiz Adriano Sales, que destacou de forma valorosa o modo de vida de seu povo, o povo kaingang, me contando diversas características que eu desconhecia.
Conversa vai, conversa vem, e algo dentre essas particularidades ganhou minha atenção. E essa atenção foi à forma como o casamento é tratado na cultura kaingang, não somente na aldeia onde Luiz reside, mas como um todo, pois segundo ele essa forma de tratar o matrimônio segue até hoje.
Mas para falar de casamento kaingang, antes de tudo é preciso ter o conhecimento da forma como o kaingang se organiza dentro de suas características, usos e costumes. Os kaingangs são caracterizados pelo grupo familiar dividido entre Kamē krè e Kayru krè, criando segundo a mitologia, regras para todo o cotidiano da aldeia. E estas regras também se aplicam ao matrimônio. Segundo a tradição cultural deste povo, o casamento deve ser realizado entre indivíduos opostos.
Luiz me explica que nessa divisão de metades tribais, um kaingang não pode casar com um membro da mesma metade tribal a qual pertence. Por exemplo, “se você é Kamē não pode casar com uma Kamē, mas sim casar com o membro de outra metade, que no caso seria a metade Kayru” afirma Luiz.
Segundo o professor, existe toda uma questão de parentesco. Ele faz um comparativo com os costumes do homem branco, citando o casamento de irmãos com irmãos, primos com primos. Casamentos entre membros da mesma metade tribal podem ter sérias consequências, como por exemplo, em caso de gestação, o feto não conseguiu sobreviver, ou ainda, na hora do nascimento ocorrerem complicações.
O casamento na aldeia é um momento único, em um espaço natural e repleto de magia. E assim como acontece na vida da maioria das pessoas, desta magia nascem os filhos. E aí que surge outra característica do modo de vida kaingang. Essa característica se dá no nascimento de um novo membro na aldeia. Os filhos desse matrimônio recebem a filiação da metade paterna, ou seja, se o pai é Kamē o filho será Kamē e assim por diante.
Portanto, observo que dentre tantas características, particularidades e modos de vivência, existe uma clara manutenção dos princípios perpassados desde a antiguidade pelo povo kaingang.
Os indígenas mantêm as suas relações de matrimônio, amor e de compreensão, baseadas no respeito, sendo uma forma de manter a sua cultura para as futuras gerações. Apesar de o futuro ser incerto em nossas vidas, é isto que eles buscam dia após dia.
Juntos, eles compreendem que sim podem mais e, apesar de todas as adversidades pelas quais já passaram, a cultura do seu povo permanece viva. E nós esperamos que não somente no coração e na vida do indígena, mas que se mantenha viva aos olhos da sociedade e do mundo.
Passado ou presente, a certeza que fica é que uma cultura tão grandiosa deve e merece ser respeitada. E que a união por meio do matrimônio só engrandece ainda mais essa cultura. Uma cultura que para muitos ainda é esquecida ou desconhecida, mas que entre nós deve ser vista com outros olhos, deve ser vista com os olhos da empatia.